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Você não está bem. Você é gorda!

Imagine-se uma mulher negra e gorda crescendo em meio a um ambiente machista, racista e gordofóbico. Horrível. Nada bom para construir sua autoestima, uma boa imagem de si mesma. Nada recomendável quando se quer ter autoconfiança. Bom, essa é uma história de como o feminismo me ajudou a encontrar meu lugar no mundo.



Desde que me entendo por gente sou gorda (nem “gordinha”, nem “cheinha” e nem “para menina, você está ótima! ”, gorda mesmo), minha mãe adora dizer que já fui magra, mas realmente não me lembro disso.







Legenda: "Meu tamanho é lindo, meu peso é ideal"

Nas minhas lembranças sempre lutei para entrar em calças mais apertadas. Desde os meus 10 anos fui carregada de médico em médico, me passando as mais variadas dietas.


Fui da natação ao boxe, e continuei acima do peso. Aquilo me dava um desespero enorme. Cortava os mais diversos alimentos, saía morta da academia. Adquiri uma bicicleta ergométrica para nunca ficar parada, mesmo quando via TV.


Ok, não foi uma coisa ininterrupta, e as vezes não dava para resistir aquela pizza linda de frango com catupiry, mas passei a adolescência inteira preocupada com meu peso.


Não consegui me aceitar, muito menos me amar. E claro, como nada está tão ruim que não possa piorar, os hormônios explodiram, meus seios cresceram absurdamente, fiquei lotada de espinhas e me botaram um aparelho nos dentes (e minha ortodontista era tão miserável que só me deixava usar borrachinhas cinza horrorosas).




Cenário completo. Sofrer bullying na escola passou a ser normal, porque eu era tão trouxa que acreditava que ser “zuada” era natural para alguém com minha aparência.





Legenda: Para com o bullying

Para piorar o bullying dentro de casa. “Mas você precisa dar um jeito nessa gordura. ”, “Você é até bonitinha, mas podia ser linda se emagrecesse”, “Você sabe que isso é péssimo pra você, né? ”, “Ô baleia, não vai fazer nada, não? ”, “Não vai dar um jeito nessa sua cara croquenta nunca? ”, “Você já tem essa cor de burro fugido, ainda vai aceitar ficar gorda desse jeito? ”, “Você sabe que homem nenhum gosta de mulher gorda, né? Você nunca vai arrumar um namorado imensa de gorda desse jeito”.


Legenda: Para com o bullying

Cara, a vida foi uma merda. Não tinha vontade de fazer nada. Pra quê pintar as unhas, por exemplo? Ou cuidar do meu cabelo? Por que insistir em procurar roupas, se nenhuma ficava boa mesmo? Não quero que ninguém fique rindo de mim, então por que sair de casa? Pra quê me forçar dentro de um salto alto? A quem eu queria enganar? Ia só ficar ainda mais ridícula.


Uma gorda tosca tentando ser bonita. Que piada. Passei por um período de depressão realmente obscuro. Tudo que eu queria era passar despercebida enquanto lutava pra ter uma aparência digna. Parecer com alguém que as pessoas pudessem gostar. Alguém que quisesse conversar.


Fui abençoada com amigas maravilhosas, que tentavam me pôr para cima sempre e me apoiavam muito. Tentavam me ajudar de verdade, mas o fato é que nunca conseguiram.


E eu me martirizava ainda mais, porque além de ser feia decepcionava não só minha família, mas as amigas que viam em mim algo que nunca fui capaz de ver. E o fato de todas serem lindas nunca ajudou, sorry girls.


Foi essa existência que tive até entrar na faculdade, há três anos, e ter contato direto com as primeiras feministas. Imagine seu cérebro explodindo, foi exatamente isso que aconteceu comigo quando li um texto sobre feminismo que uma amiga compartilhou no Facebook.

Legenda: "Feminismo vai mudar sua vida"

Havia tanta revolta e tanto amor ali que me atingiram em cheio. Pela primeira vez eu vi alguém se posicionando de forma tão contundente contra um padrão que nos é imposto massivamente.


Me senti ridícula por nunca ter me dado conta disso, de que eu não precisava ser uma pessoa magra para ser quem eu sou. Nunca tinha me dado conta que eu tinha uma personalidade.


Caralho, nem personalidade eu tinha! Não era ninguém. E aquele texto, aquele único texto, foi mais útil pra mim do que todos aqueles anos ouvindo que eu só seria boa de verdade mesmo quando emagrecesse e arrumasse um homi.


De repente eu me senti gente. Continuei procurando, continuei aprendendo e tem sido assim desde então. E acho que essa é a palavra perfeita para o que o feminismo me proporcionou: aprendizado.


Aprendi a me aceitar, a me reconhecer. Aprendi a ver a beleza que havia em mim e em todas as outras mulheres que eu nunca havia percebido antes. Aprendi a amar a luta de cada uma, o que tinham a oferecer ao mundo. E acima de tudo aprendi que não tenho que parecer nada pra ninguém, eu tenho que ser eu mesma pra mim e nenhum outro.


Me amar completamente ainda é algo que não alcancei e tem dias que são piores do que outros. Ainda tem dias que tudo que eu queria era estar dentro do padrão, pular essas partes irritantes em que mal posso respirar sem que alguém me diga que eu deveria emagrecer. Ainda existem aqueles dias que a sessão esmagadora de que não mereço existir nesse mundo bate com força.


Mas agora eu tenho uma base, uma força, aquela certeza de que estou bem exatamente como estou e que se um dia eu resolver perder peso não vai ser para que me aceitem ou gostem de mim.


O feminismo me fez ver que eu tenho valor, que eu posso sim ser gorda e totalmente ok com isso. Não sou eu que preciso me adaptar ao mundo, é o mundo que precisa me aceitar e me respeitar do jeitinho que eu sou, sem uma celulite a menos!






Não tenho que me submeter a padrão algum e dispenso qualquer tipo de relacionamento baseado no número do meu manequim, sou muito mais que isso. Ainda estou nesse processo para me amar mesmo.







E para aqueles que não conseguem suportar a ideia de que eu me aceito como sou e que não me deixo debilitar mais, os que exclamam “Você não pode ser feliz, você é gorda! ” e que é tudo para o meu bem (imagina se fosse pro mal, hein? CRUZ!), dispenso. Estou bem, estou feliz e vivo por mim e para mim. Ok? Ok!

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