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NEGRA

Descalça nas ruas... correndo, brincando, sendo criança. Naquele pedaço não esxistiam tristezas. - Bando de pestes! Assim nos chamavam os velhos atordoados com nossa gritaria afoita.


E todos corriam e corriam numa felicidade que, por não caber dentro do peito, transbordava em imensas gargalhadas que se embolavam junto aos tropeços pelas ruas esburacadas.







E molecada da rua parava embaixo da sombra daquela árvore. Aquela velha árvore com folhas que mais pareciam patas de boi. Era assim que corriam os dias na cidadezinha pacata...


As crianças nas travessuras, os adultos vivendo as suas vidas mediocres e vazias. Seus olhos, também vazios, fitando o horizonte, como que na espera de um agente transformador que viesse a revolucionar suas vidas. Mas esse agente não chega.


E o tempo passa, os olhares vazios dos adultos se cruzam com os olhos esperançosos das crianças. Esperança? Qual? Não sabem o que é isso.


Sabem que a velha do 21 está vindo com a vassoura: "moleques endemoniados, vocês estão destruindo meu jardim" e a correria começa outra vez... Eu corro, corro como se a minha vida dependesse disso.


Eis que mãos fortes me param com um tranco. Demoro alguns segundos até reconhecer meu avô, me fitando com um olhar que me faz tremer até o último fio do cabelo. "Passa pra casa. Lugar de moça não é na rua. Fica juntando com essas negrinhas e dá nisso."


Eu tinha 11 anos. Onze? Que nada! Eu tinha 8 anos. Aquelas palavras entranharam em minha mente, minha pele e fiz daquelas crianças as negrinhas com as quais eu não deveria me juntar.


O tempo passava, eu que tinha olhos de esperança, no espelho já não podia diferenciá-los dos olhos vazios dos adultos. Eu não via diferença entre mim e as outras crianças, mas não poderia ser como as "negrinhas da rua".


Sendo assim, domei meu cabelo, parei de tomar café (afinal, vovô dizia que tomar café faz você ficar preto), não fico mais no sol. Acaso sou negra? Negra! Passava toneladas de pó na cara para esconder a pele morena. Sim! Morena. Negra nunca! E o tempo corria e identidade eu não tinha.


Me sentia negra, mas isso é um absurdo, não posso ser assim. Tenho que me embranquecer. Cançada das máscaras, assumi meu cabelo (um black power que pode engolir os preconceitos e suas pessoas que estiverem por perto) tirei o pó branco.


Agora sou Negra! Agora sou eu! Ainda gritam-me negra como um insulto. Esquecem que negra é a minha essência, sou negra dos pés a cabeça. Negra sim! Negra sou! Agora sou negra, uma negra adulta. A negrinha das ruas. Agora sou feliz. Finalmente posso trocar o olhar vazio pelo esperançoso que tive quando criança.


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